Anticorpos podem ser a chave para a criação de vacina contra o vírus da Aids
Dois potentes anticorpos naturais anteriormente desconhecidos podem ser a chave para a criação de uma vacina contra o HIV-1, vírus que provoca a Aids, revelam artigos publicados na edição desta semana da revista "Science". Cientistas do Instituto Nacional de Alergias e Doenças Infecciosas dos EUA conseguiram isolar as duas moléculas no sangue de um paciente contaminado, que foram batizadas VRC01 e VRC02. Ambas seriam capazes de impedir a disseminação do vírus pelas células do sistema imunológico ao se conectarem com um receptor usado pelo vírus para se juntar a estas células e infectá-las.
- Estou mais otimista em relação à uma vacina contra a Aids hoje do que provavelmente jamais estive nos últimos dez anos - afirmou Gary Nabel, do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas, coordenador do estudo.
Um dos principais desafios na criação de uma vacina contra o HIV que funcione em qualquer parte do mundo está no fato de o vírus da Aids, assim como o da gripe, sofrer mutações constantes, como forma de enganar o sistema imunológico. Como consequência, é enorme o número de variantes do HIV em circulação. Os anticorpos descobertos, no entanto, imitam a forma como as células CD4, do sistema imunológico, se acoplam a uma estrutura que está presente em quase todos os subtipos conhecidos do HIV.
- Os anticorpos se conectam com uma parte virtualmente imutável do vírus e isso explica por que podem neutralizar uma gama tão extraordinária de variantes - explica o médico John R. Mascola, vice-diretor do Centro de Pesquisa de Vacinas do instituto americano e um dos autores do estudo.
Ataque contra 90% dos subtipos do HIV
Segundo os cientistas, os anticorpos impediram em laboratório que mais de 90% de todas as variantes do HIV contaminassem células do sistema imunológico, podendo ser usados tanto na fabricação de uma vacina quanto na criação de novos métodos de tratamento. Além disso, o método utilizado para isolar os anticorpos poderá ser usado na pesquisa de outras moléculas do tipo que combatam doenças diferentes.
- A descoberta destes anticorpos tão abrangentes e a análise estrutural de como eles funcionam são importantes avanços que vão acelerar nossos esforços para encontrar uma vacina preventiva contra o HIV de uso global. Mas também a técnica usada pela nossa equipe para encontrá-los representa uma nova estratégia que pode ser usada na formulação de vacinas contra muitas outras doenças infecciosas - destacou Anthony S. Fauci, diretor do instituto.
Os pesquisadores encontraram os anticorpos por meio de uma nova marcação molecular desenvolvida pelo próprio instituto que permitiu acharem as células específicas do sistema imunológico que os produzem. Posteriormente, eles determinaram a estrutura atômica da forma como o VRC01 se conecta com o HIV. Com isso, afirmam, já começaram a desenhar componentes de uma possível vacina que ensine o corpo humano a criar anticorpos similares ao VRC01 e efetivamente previna a contaminação.
Os anticorpos até então desconhecidos foram encontrados em pacientes chamados não-progressores, ou seja, aqueles que, embora estejam infectados pelo vírus, não desenvolvem a doença. Cientistas estudam o sistema imunológico dessas pessoas em busca de pistas para o combate e a prevenção da doença. Aparentemente, no entanto, o organismo só produz tais anticorpos depois da infecção. Ou seja, a doença pode não se desenvolver, mas o vírus está lá. Uma vacina, no entanto, poderia ajudar o organismo a ter uma resposta mais rápida.
- Essa é parte do problema que temos ao lidar com o HIV. Quando a pessoa é infectada, o vírus está sempre à frente do sistema imunológico - explicou Nabel. - O que estamos tentando fazer é uma vacina que chegue antes do vírus.
Mais de 33 milhões estão infectados
Atualmente, mais de 33 milhões de pessoas em todo o mundo convivem com o HIV e pelo menos 2,7 milhões são contaminadas pelo vírus por ano. E, apesar da expansão do tratamento para nações mais pobres, só uma em cada oito pessoas infectadas tem algum acesso a terapias antirretrovirais, enquanto muitas mais estão expostas devido à falta de medidas preventivas contra sua disseminação, principalmente na África.
Para tentar conter a epidemia e discutir novas alternativas de prevenção e tratamento, como os anticorpos recém descobertos, mais de 20 mil pesquisadores de Aids vão se encontrar no fim deste mês em Viena. A escolha do local responde a uma nova fronteira de expansão do HIV, já que a capital austríaca é considerada a "porta de entrada" da Europa Oriental. Hoje, a região já tem mais de 1,5 milhão de pessoas contaminadas e a doença se espalha cada vez mais rápido em países como Rússia e Ucrânia, que concentram cerca de 90% dos doentes.
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